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Foto do escritorSalmom Lucas Monteiro Costa

Decisão judicial define novas regras no Eixo Prioritário nº 7 - Cadastro e Indenizações

Decisão reforça que o acesso aos programas reparatórios deve garantir direitos, não ônus à população atingida


No dia 6 de agosto, o juiz Dr. Vinícius Cobucci, da 4ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte, proferiu uma decisão que estabeleceu novas diretrizes do Eixo Prioritário Nº. 07, que trata de Cadastros e Indenizações das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão. A decisão estabelece também definições importantes sobre diversos aspectos do processo, como a organização do Eixo 7, a desconstituição da Kearney Consultoria de Gestão Empresarial como perita do juízo, o cumprimento da Cláusula 28 do Termo de Transação e de Ajuste de Conduta (TTAC), entre outros pontos.


Na decisão sobre a organização do Eixo 7, o juízo proibiu que as rés (Vale, Samarco e BHP), as Instituições de Justiça e demais partes interessadas do processo façam novos pedidos ou requerimentos, permitindo apenas manifestação sobre questões já em curso. A sentença tem como objetivo evitar tumultos processuais e garantir o controle de prazos, além de assegurar que, após a definição das questões pendentes, o Eixo 7 seja encerrado. 


“A medida se justifica porque foi necessário praticamente um ano para que todas as partes se manifestassem a respeito do tema cadastros, a fim de respeitar o contraditório e ampla defesa. Os novos pedidos, sem qualquer regramento processual, criam uma cadeia de intimações e vistas que impedem a devida apreciação no momento apropriado, o que prejudica a adequada prestação jurisdicional”, destacou a sentença. 


Possibilidade de acesso ao PIM e AFE sem necessidade de advogado


Após pedido das Instituições de Justiça, o juiz determinou que o acesso aos programas do TTAC, como o Programa de Indenização Mediada (PIM) e o Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), pode ser feito diretamente pela pessoa atingida, sem a obrigatoriedade de representação por advogado. 


“A atividade de advogado é de suma importância e não se pretende aqui menosprezar o seu trabalho. Contudo, o ideal de política pública do TTAC foi no sentido de que os honorários fossem pagos integralmente pela Fundação, no âmbito de parceria com a OAB devidamente formalizada, sem a previsão de honorários contratuais. [...] Exigir advogado para protocolo do pedido do AFE seria o mesmo que exigir advogado para o protocolo de benefício previdenciário ou do auxílio emergencial criado no âmbito da pandemia de covid-19, o que é, com a devida vênia, absurdo. Tanto no caso do benefício previdenciário como do auxílio emergencial da pandemia de covid-19, prestações de natureza alimentar, a possibilidade de representação por advogado é facultativa. Exigir a representação por advogado para fins de recebimento do PIM e do AFE é imputar à vítima o encargo dos honorários contratuais”, destacou a decisão. 


Outro ponto da decisão também ressalta: "A exigência da participação de advogado, além de não contar com previsão em lei, acaba por produzir o efeito contrário à Cláusula 37, parágrafo único. Se o advogado não atuar no regime de colaboração da referida cláusula, fará jus a honorários contratuais, por força de lei."




Na prática, a exigência de advogados gera a necessidade de pagamento de honorários contratuais, o que implica na diminuição substancial da indenização pretendida, o que ofende o princípio da reparação integral do Direito Ambiental. A escolha de advogado decorre da autonomia da vontade de cada pessoa atingida, a qual deve ter acesso a toda informação disponível para deliberar acerca da viabilidade e pertinência de arcar com os custos de um advogado particular. É seu direito contratá-lo ou não, inclusive com a redução da indenização por meio dos honorários contratuais. 


Participação da OAB no processo


O juízo abordou também a questão da capacidade processual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Na decisão, foi ressaltado que a OAB foi admitida no processo apenas para defender prerrogativas dos advogados, não como substituta processual em tutela coletiva, em conformidade com a Lei de Ação Civil Pública. Ou seja, a OAB pode participar do processo para defender os direitos específicos dos advogados e não para representar ou substituir um grupo de pessoas atingidas em uma ação coletiva.


Saída da Perita


Outro ponto importante da decisão tratou sobre a desconstituição da Kearney Consultoria de Gestão Empresarial como perita do juízo. De acordo com a decisão, a atuação da empresa, que revisava e fazia a avaliação final dos cadastros da Fundação Renova, foi considerada ilegal e incostitucional. O juízo apontou que a atividade da perita era administrativa, não jurisdicional. A perita fazia a avaliação final do cadastro, ou seja, decidia sobre o direito, violando assim a separação dos poderes e assumindo a competência executiva prevista no TTAC. 


A decisão determinou também a suspensão do tratamento de dados pessoais das pessoas atingidas pela Kearney Consultoria e solicitou que a empresa apresente um relatório sobre o tratamento de dados, bem como aponte as pessoas ou entidades que tiveram acesso às informações, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).


Demais encaminhamentos


  • O juízo ordenou que a Fundação Renova comprove, no prazo de 48 horas, que cumpriu a medida estabelecida anteriormente para finalizar a análise dos procedimentos administrativos do Novel em andamento. Caso contrário, será aplicada uma multa diária de R$ 250.000,00.


  • A decisão determinou a realização de uma ampla campanha de divulgação, promovida pela Fundação Renova, para informar que o acesso aos programas do TTAC pode ser feito diretamente pelas pessoas atingidas.


  • A Fundação Renova será intimada para promover de forma permanente a atualização, revisão e correção dos cadastros, conforme a Cláusula 28 do TTAC, garantindo que as pessoas atingidas possam solicitar inclusão ou retificação de informações para acesso aos programas de indenização.


Manifestação da Fundação Renova


Em resposta à determinação da decisão do dia 06, a Fundação Renova se manifestou no processo no dia 9 de agosto, informando que o procedimento de avaliação dos requerimentos tem diversas fases, o que impossibilita definir o prazo exato para conclusão das análises, o que inclui o prazo dos advogados para sanar eventuais pendências.


“Desse modo, não há como precisar o prazo para a conclusão dos requerimentos atualmente em tramitação, que retornaram para a fila de análise, em virtude da possibilidade de ser concedido prazo para o advogado do atingido sanar as irregularidades em cada uma das etapas em que é necessária a sua interação no sistema e de serem interpostos novos recursos pelos requerentes, conforme regramento vigente e acima resumido.”


Ao final, a Fundação Renova disponibilizou imagens da tela de requerimentos, com o demonstrativo da quantidade de requerimentos em cada fase do procedimento.



Recurso da Perita


Após ser desconstituída como perita do juízo, a empresa Kearney Consultoria de Gestão Empresarial informou que paralisou as atividades e opôs recurso de Embargos de Declaração, em que pede para o juiz esclarecer pontos da decisão, como a análise dos casos que estavam em andamento, o pagamento dos honorários e o reembolso pelos investimentos realizados.


“Tais questões dizem respeito, em resumo, (a) ao procedimento a ser adotado pela Kearney quanto às revisões de cadastros que já estavam em fase avançada de análise (com pedidos de documentos adicionais e esclarecimentos solicitados à Renova que já foram inclusive atendidos) e que pendem apenas de finalização, bem como aos respectivos honorários devidos à Kearney em razão desses trabalhos; e (b) ao reembolso correspondente aos investimentos realizados pela Kearney para a execução dos trabalhos, tendo em vista a interrupção prematura do fluxo de trabalho estabelecido em 2023 e apresentado na Etapa I, de modo que a Kearney não conseguirá amortizar tais investimentos conforme estipulado no plano de trabalho homologado.”



Nova decisão em 14/08/2024


Diante da manifestação da Fundação Renova e do recurso da Kearney, o juiz, Dr. Vinícius Cobucci, proferiu nova decisão em que responde às informações e requerimentos apresentados.


Sobre a manifestação da Renova, o juiz pontuou que as informações prestadas são insuficientes e que não estão acompanhadas de documentos comprobatórios. Determinou que a Fundação Renova apresentasse, no prazo de 48h, a comprovação de apreciação dos casos já concluídos; o status dos requerimentos que estavam pendentes de outras providências que impediram a sua finalização até o dia 15 de julho de 2024; e a comprovação documental dos casos que estavam sob tratativas dos advogados até o prazo de 15 de julho e daqueles que não foram devolvidos até a referida data. Fixou ainda o prazo de 30 dias para conclusão do acervo e para indicação de outros requerimentos que não se encontram entre os casos acima mencionados. Caso esta ordem judicial seja descumprida pela Renova, será aplicada a multa fixada na decisão anterior.


“Se não devidamente demonstrado o cumprimento dos itens i, ii e iii, incide a multa fixada na decisão anterior, desde a intimação passada, já que a Renova não atendeu à determinação judicial a contento. A multa continuará a ser aplicada até devidamente demonstrada a conclusão de todos os procedimentos que voltaram ao backlog da Renova antes do dia 15 de julho de 2024. A Renova não interpretará a decisão judicial como bem entende, pois a ordem foi clara no sentido de apreciação dos 5.356 requerimentos, mencionados de forma genérica na ata de audiência como mais de 5.000, independentemente da localização do requerimento em eventual backlog do advogado. A tentativa de subversão da interpretação da ordem dada pelo juízo implicará multa por litigância de má-fé. Toda a comprovação deverá trazer a lista de todos os requerimentos indicados, com o número, fase, status, e movimentação, tal como foram apresentados os documentos anexos à petição.”


Tratando dos pedidos da Kearney, a decisão reforça o encerramento imediato das atividades como perita do juízo, mesmo que ainda existam casos pendentes de providências. Define ainda que os investimentos realizados pela Kearney para realização dos trabalhos são parte do risco da atividade econômica, sendo o juízo responsável apenas pelo que prevê o plano de trabalho homologado, não havendo a fixação de um número determinado de cadastros a serem periciados. Desta forma, determina que a Kearney receba a remuneração apenas pelo trabalho feito com os requerimentos já processados, ainda que não finalizados.


“Assim, por estar de boa-fé, a qual se presume, a Kearney faz jus à remuneração relativa apenas aos 3.655 requerimentos processados, independentemente de conclusão ou não, os quais não serão utilizados para fins da cláusula 28 do TTAC, para se assegurar a todos os atingidos a possibilidade de revisão pela própria Renova, observados os parâmetros da decisão anterior, em especial da LGPD.”


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