TRF-6 receberá recurso do MPF contra sentença que absolveu as empresas mineradoras
No último dia 10 de dezembro de 2024, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou à Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Ponte Nova-MG as Razões do Recurso de Apelação contra a sentença que absolveu a Samarco, a Vale, a BHP e pessoas físicas ligadas às empresas mineradoras, inicialmente denunciadas em função do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 5 de novembro de 2015. O desastre socioambiental resultou em 19 mortes, além de prejuízos ao meio ambiente e às comunidades atingidas ao longo da bacia do Rio Doce.
A decisão de primeira instância, proferida em 14 de novembro de 2024 pela juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, concluiu pela ausência de nexo de causalidade entre as omissões apontadas no processo e o desastre. Segundo a sentença, as empresas e seus dirigentes não teriam permanecido inertes ou indiferentes aos problemas da barragem. Dessa forma, todos os réus, pessoas físicas e jurídicas, foram absolvidos.
O MPF contestou a conclusão da magistrada. No recurso, o órgão argumenta que o processo reuniu provas robustas — técnicas e testemunhais — capazes de demonstrar a responsabilidade criminal tanto das empresas quanto dos indivíduos que, direta ou indiretamente, teriam falhado em adotar medidas corretivas recomendadas e necessárias para garantir a segurança da estrutura da barragem. “Foram fartamente comprovados todos os requisitos objetivos e subjetivos necessários à responsabilização penal”, sustenta o MPF.
Falhas na segurança e “irresponsabilidade organizada”
O MPF ressalta que grandes desastres ambientais não decorrem da ação isolada de um único indivíduo, mas da complexa estrutura organizacional. No entendimento do órgão, a análise da responsabilidade penal em grandes corporações, como a Samarco, requer a identificação de quais gestores falharam ao não interromper as operações diante de sinais evidentes de insegurança.
Entre as evidências, o Ministério Público destaca relatórios técnicos, como o Relatório nº 8 do Instituto de Tecnologia de Recursos Minerais (ITRB), que, já em 2013, apontava falhas na drenagem interna da barragem e recomendava intervenções de reforço, aprofundamento de parâmetros geotécnicos, alteração de critérios de compactação e novos projetos nas ombreiras. De acordo com o MPF, quase dois anos depois, essas obras ainda não estavam concluídas.
A acusação enfatiza que, diante de problemas estruturais, o mínimo esperado seria a paralisação das atividades até que a segurança fosse efetivamente restabelecida. Em vez disso, segundo o MPF, houve uma “maquiagem” dos problemas, priorizando-se a produção e o lucro em detrimento da integridade da barragem.
Outro ponto abordado pelo MPF é o método de alteamento a montante, empregado na construção da barragem de Fundão. Embora não houvesse proibição formal à época, o órgão acusa que a técnica era reconhecidamente menos segura, já tendo sido questionada em normas técnicas como a NBR 13028:1993. O método, frequentemente associado à liquefação e a rupturas, teria sido mantido apesar das dúvidas quanto à sua confiabilidade.
Responsabilidade penal da pessoa jurídica
Ao contestar a absolvição das empresas, o MPF destaca que a sentença diverge do entendimento já adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no tocante à responsabilização penal ambiental de pessoas jurídicas. Segundo o recurso, é possível condenar a empresa por sua própria culpa, independentemente da condenação individual de seus gestores ou funcionários.
Para o MPF, a responsabilização criminal das empresas seria um marco essencial no combate à “irresponsabilidade organizada” em empreendimentos de grande porte, induzindo uma mudança cultural no setor privado, obrigando-o a colocar a segurança e a proteção ambiental no mesmo patamar de importância do lucro.
Após a apresentação das contrarrazões pelos réus, o recurso do MPF será submetido à análise do TRF-6, que poderá manter ou reformar a sentença de absolvição.
Articulação das Câmaras Regionais em Ação
No dia 19 de novembro, a Articulação das Câmaras Regionais encaminhou ofício ao MPF manifestando repúdio à absolvição das empresas Samarco, Vale e BHP e seus representantes no caso da Barragem de Fundão. No documento, a Articulação expressa que “Embora a magistrada tenha declarado solidariedade às vítimas, tal declaração não compensa a sensação de impunidade gerada pela absolvição”. Argumentam que a responsabilização criminal é essencial para honrar a memória das 19 vidas perdidas, das comunidades atingidas e para prevenir a repetição de novas tragédias.
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A reparação integral: O princípio da não repetição e da satisfação
A Constituição Federal (art. 225, §3º) estabelece o Princípio da Reparação Integral, segundo o qual o agente causador de degradação ambiental deve responder na esfera civil, penal e administrativa pelos danos causados, ou seja, a responsabilidade por dano ambiental no Brasil é tríplice (civil, administrativa e criminal), sendo o julgamento do processo na esfera criminal fundamental para que seja completo o processo de reparação.
Em 2015, o rompimento da barragem de Fundão em Mariana/MG teve repercussão mundial. Poucos anos depois, em janeiro de 2019, um novo desastre de características semelhantes, o rompimento da barragem do Córrego de Feijão, deixou 270 mortos.
A ausência de responsabilização efetiva, principalmente na esfera criminal, pode contribuir para a repetição de novos desastres ambientais no Brasil.
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