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Foto do escritorSalmom Lucas Monteiro Costa

Repactuação: empresas mineradoras ‘lutam’ para não retirar rejeito da Bacia do Rio Doce e negociações não avançam

Além da questão da remoção dos rejeitos, Samarco, Vale e BHP fazem alterações significativas em obrigações que já haviam concordado em assumir durante as negociações


Nas últimas semanas muito tem sido divulgado na imprensa sobre a mais recente proposta de repactuação feita pelas empresas Samarco, Vale e BHP, apresentada formalmente ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) no dia 19 de abril. Embora o texto não tenha sido público devido à cláusula de confidencialidade, a Assessoria Técnica Independente - Cáritas Diocesana de Governador Valadares (ATI CDGV) fez uma apuração do que foi divulgado sobre o texto, por meio de falas de autoridades envolvidas na Mesa de Repactuação e divulgações sobre o tema em canais oficiais do Governo Federal e do TRF6.


Municípios da Bacia do Rio Doce aguardam repactuação do acordo de reparação
Municípios da Bacia do Rio Doce aguardam repactuação do acordo de reparação

Durante a realização do debate público sobre o rompimento da barragem de Fundão, promovido pela Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos para Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Doce (Cipe Rio Doce), no dia 6 de maio de 2024 na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o procurador-geral adjunto do Ministério Públicos de Minas Gerais (MPMG), Carlos André Mariani Bittencourt, afirmou que a questão da retirada do rejeito do rio é um dos principais entraves para o avanço das negociações da repactuação. 


Segundo o procurador, até o final do ano passado, o bloco público conseguiu desenvolver um texto que previa uma proposta de valor e uma série de obrigações ambientais, sob a ótica do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, que levou em consideração questões como o tratamento das margens do Rio Doce que passa por processos erosivos nas cabeceiras e o despejo de sedimentos em toda a bacia. 

“A remoção de rejeitos hoje é o ponto, por que as empresas lutam para não retirar. O que acontece: as pessoas atingidas estão sofrendo as consequências das enchentes que ocorrem e vão continuar ocorrendo, então atualmente, o ponto principal que está bloqueando um avanço, é a questão rejeitos, porque é uma questão crucial e há uma divergência em relação a isso neste momento”, explicou. 

Empresas aumentam proposta financeira, mas diminuem responsabilidades


O advogado-geral da União adjunto, Júnior Fideles, durante audiência pública da Comissão Externa destinada a fiscalizar os rompimentos de barragens, em especial acompanhar a repactuação do acordo de Mariana e a reparação do crime de Brumadinho (CEXMABRU), ocorrida no dia 23 de abril de 2024, explicou que os debates da Mesa de Repactuação avançaram em 2023 e chegaram a uma proposta de ações efetivas, numa perspectiva socioeconômica e ambiental, que caso fosse aceita pelas empresas mineradoras, seria capaz de dar uma resposta minimamente satisfatória à Bacia do Rio Doce, tanto no sentido da reparação ambiental, quanto na reparação econômica das pessoas atingidas a partir do estabelecimento de diversas cadeias produtivas. 


Entretanto, o acordo não foi celebrado na ocasião, em dezembro de 2023, em razão das empresas não concordarem com o custo dessa proposta, que foi precificada em R$ 126 bilhões e as empresas ofertaram, em contrapartida, R$ 42 bilhões. “Uma proposta irrisória, de modo que nós chegamos no impasse que é conhecido ao final de 2023”, revelou o advogado-geral da AGU, ao se referir à paralisação das negociações ocorrida no dia 06 de dezembro de 2023.


Após meses de entraves, as empresas mineradoras apresentaram uma nova proposta em abril de 2024 ao TRF6, em que o valor financeiro foi melhor do que o proposto anteriormente. Entretanto, as mineradoras não querem assumir o compromisso da recuperação ambiental, segundo o procurador-geral adjunto do MPMG, Carlos André Mariani Bittencourt: “Melhoraram o valor financeiro da proposta, embora não nos termos que achamos razoável, mas não querem enfrentar determinados pontos da recuperação ambiental”. 


O coordenador da CEXMABRU, deputado Rogério Correia, avaliou também como “cínica” a última proposta das empresas, pois “aumentou o valor, mas tirou o que tinha que fazer. Foram seis pontos importantes, que suprimidos da proposta, não serve para as pessoas atingidas”. Os seis pontos também foram divulgados no site do Governo Federal e apresentados pelo parlamentar às pessoas atingidas durante o debate público, no dia 6 de maio na ALMG, em que na oportunidade aproveitou para fazer algumas observações sobre cada tópico, conforme constam abaixo: 


1) O fato de a nova redação prever uma retirada de rejeitos de mineração do Rio Doce muito inferior ao que já havia sido negociado, beirando o cenário de nenhuma retirada.

“Na Usina Candonga, por exemplo, as empresas não tiraram quase nada e vão ficar sem tirar rejeito. Agora quando chove em Candonga, transborda o rejeito e vai tudo para o rio. Então se não tirar a lama de Candonga, não adianta. Então olha só, a lama não vai ser retirada, se não vai ser retirada, como é nós vamos assinar um acordo, que não vai retirar o rejeito?”.

2) A transferência da obrigação de recuperação de nascentes e áreas degradadas para o Poder Público.

“As empresas não teriam mais que fazer a recuperação de nascentes e áreas degradadas. Vai passar para a União e para os governos estaduais. Ou seja, não vai ser feita, pois demanda muito dinheiro e é do crime que as empresas cometeram, isso era uma obrigação das mineradoras fazerem”.

3) O encerramento do gerenciamento das áreas contaminadas.

“Ou seja, o que está contaminado, não vai ser gerenciado pelas empresas, passa para o governo também”.

4) A ampliação da quitação que as empresas pretendem receber para danos futuros ou ainda desconhecidos, inclusive à saúde humana.

“O que vai ser mais para frente, que a gente já sabe que vai atingir muita gente, principalmente na saúde, as empresas ‘lavam as mãos’, pois o pensamento será: ‘eu já paguei, então não tem danos futuros, não tenho mais responsabilidade’”.

5) A inclusão, na lista de municípios que devem ser contemplados pelas medidas de reparação, de cidades que nunca foram reconhecidas como afetadas pelo Poder Público, ao mesmo tempo em que outras, já reconhecidas como afetadas, foram excluídas da nova proposta.

“As empresas também não queriam incluir mais municípios, o juiz agora mandou incluir vários do Espírito Santo e alguns de Minas Gerais estavam fora”.

6) A exigência de que municípios promovam adesão formal à repactuação e desistam de eventuais ações judiciais movidas por eles próprios para que possam ser beneficiados, ainda que indiretamente, por recursos oriundos de eventual acordo.

“Ou seja, feito o acordo, o prefeito que tá com ação lá na Inglaterra ou na Holanda por exemplo, tem que retirar a ação. Então eles querem uma garantia completa de que os municípios têm que abrir mão disso”.

Diante das avaliações apresentadas, o coordenador da CEXMABRU considerou a proposta inaceitável. “É tão ruim ou até pior do que a outra que tinha sido feita, porque abre mão da grande maioria do que era obrigação das empresas fazer”. 


Judicialização do processo


O advogado-geral da União adjunto, Júnior Fideles, afirmou que o judiciário brasileiro tem proferido, nos últimos tempos, significativas decisões, que demonstram que, caso não haja a repactuação, seja possível conseguir uma reparação mínima a partir desse sistema. “Exemplo disso é a decisão de janeiro deste ano, que condenou as empresas ao pagamento de danos morais coletivos, que atualizados, implicam em R$ 92 bilhões, o dobro da proposta que as empresas haviam feito no final do ano passado”. 


Júnior Fideles avalia também que é possível cogitar que, a proposta apresentada no dia 19 de abril pelas empresas, tenha sido motivada pela condenação de R$ 92 bilhões e dos processos terem começado a tramitar em um ritmo mais célere. “E isso é corroborado porque ao final da proposta [da repactuação], as empresas apresentaram o pedido de suspensão do trâmite das ações reparatórias, das ações judiciais, o que foi prontamente rechaçado por todos os envolvidos. Então sem querer aqui adiantar qualquer juízo de valor que a União vai fazer sobre essa nova proposta, mas talvez nós estamos diante apenas de uma proposta que busque mais uma vez protelar o processo reparatório, as decisões judiciais”.


Próximos passos após proposta apresentada


Em comunicado no dia 30 de abril de 2024, o TRF6 informou que a proposta de repactuação apresentada pelas empresas Samarco, Vale e BHP à Mesa de Repactuação, no dia 19 de abril de 2024, foram submetidos à apreciação dos representantes da União, Estado de Minas Gerais e Estado do Espírito Santos. “Espera-se que, nos próximos dias, uma posição do Poder Público acerca do documento seja endereçada ao TRF6 para encaminhamento às empresas, dando sequência às tratativas, observados os procedimentos e técnicas do processo conciliatório”, informou o comunicado. 


A proposta tem sido apreciada pela União e pelos governos estaduais, conforme explicou Júnior Fideles, durante a audiência pública da CEXMABRU. “O que posso dizer é que nós estamos fazendo uma análise cuidadosa da proposta, o TRF6, por certo, nos convocará a nos manifestarmos formalmente e nós estamos nos preparando para nos manifestar, comparando essa proposta apresentada em abril, com aquilo que nós tínhamos de ações propostas no final de 2023”, detalhou. 


O advogado-geral da União adjunto ainda refletiu que é preciso fazer a repactuação, mas que o acordo tenha condições de levar, finalmente, à reparação a toda sociedade atingida. “Se não for possível fazer esse acordo, nós vamos continuar buscando a reparação no judiciário e eu acredito que nos últimos tempos o judiciário brasileiro tem dado sinais, sinais que continuarão no sentido de demonstrar que nós temos condições de ter a reparação aqui no Brasil, mediante a imposição desta obrigação às empresas por meio do nosso judiciário”.


Participação das pessoas atingidas nas negociações


As negociações da repactuação presididas e conduzidas pelo TRF6, segue uma cláusula de confidencialidade, regida pelo pelo Código de Processo Civil (Lei Nº 13.105, de 16 de março de 2015). Por essa razão, até o presente momento, não há previsão da participação de pessoas atingidas na Mesa de Repactuação. 


Entretanto, Júnior Fideles afirmou que a União defendeu formalmente, no final de 2023 à Mesa de Repactuação, representação de pessoas atingidas nas suas mais diversas organizações, para que possa acompanhar, conhecer o debate e exercer o seu papel de fiscalização. “Enquanto União, reafirmamos essa nossa posição e vamos levá-la mais uma vez e formalmente, na primeira reunião da repactuação, que for designada pelo TRF6”. 




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